sexta-feira, 20 de março de 2009

Os vários significados da fotografia



A fotografia, assim como todo tipo de mensagem, tem um sentido denotativo e outro conotativo. De acordo com o significado clássico destas palavras, denotativo é o aspecto mais ''objetivo'', ou ''direto'' da fotografia, enquanto que ''conotativo'' é o sentido menos aparente, dependente de uma interpretação mais aprofundada.

A maioria das pessoas tende a ver a fotografia sob seu aspecto denotativo. O que não é surpresa, pois a denotação é uma das características da fotografia por excelência. A ilusão da realidade é muito forte nesta forma de comunicação, uma vez que quando vemos a imagem capturada sentimo-nos quase como se estivéssemos olhando através de uma janela.

No entanto, a mensagem fotográfica é carregada de muitas influências externas. O ângulo escolhido pelo fotógrafo, o uso ou não do flash, a abertura do diafragma, o tempo de exposição do obturador, o uso de teleobjetivas, etc.

Aliás, segundo alguns teóricos da semiótica, não só nas intenções do fotógrafo repousa a parte conotativa da fotografia, mas também na cabeça dos cientistas que projetaram a câmera e a fizeram tirar as fotos da maneira pela qual o faz.

É interessante notar que para estes estudiosos, a fotografia em preto e branco é mais realista em sua representação de mundo do que a colorida. Isto ocorre porque a fotografia colorida exige mais processos químicos que se interpõem entre a imagem e o mundo real. Ou seja, existem mais filtros no caminho da representação.

Com tantos fatores envolvidos na produção do sentido em uma fotografia, é importante que as pessoas que tem consciência de todos estes processos construtivos tenham um olhar diferenciado ao olhar para esta forma de mensagem.

Não só por causa das fortes possibilidades de manipulação inerentes à imagem, mas também porque uma fotografia pode ser muito mas rica em sentidos do que aparenta inicialmente. Tanto por causa da intenção do fotógrafo quanto por fatores externos, inesperados.

Em certa aula de faculdade fizemos uma análise em grupo da fotografia que ilustra
este texto (de autoria de Evandro Teixeira). Foi uma grande sorte ter pego esta fotografia, uma vez que as outras opções eram uma fotografia já clichê do 11 de setembro (evento sobre o qual ainda somos bombardeados tanto na faculdade quanto pela mídia) e a famosa fotografia do beijo tirada por Cartier-Bresson, que também é vista em muitos lugares.

Com uma perspectiva ainda nova sobre a fotografia, foi possível encontrar muitos sentidos sobre ela. E a quantas conclusões interessantes nós chegamos. Coloco aqui algumas delas:

* A foto demonstra a banalização da violência. Apesar de inserido em um contexto brutal, o garoto parece não se importar com o ambiente ao seu redor.

* A banalização, a atitude descontraída dos outros personagens (sentados na calçada, ao redor do corpo) demonstra que aquele é um ambiente de conflito constante.

* A imagem demonstra uma certa falta de solidariedade e empatia. O corpo jaz solitário, descoberto, no chão de terra batida.

* O garoto encontra-se fascinado por ser o centro das atenções. A presença da mídia, no caso, a câmera fotográfica, tem um apelo quase mágico para ele.

* O cenário é de pobreza material. O cadáver, assim como o garoto, estão descamisados. A rua é de má qualidade. As pessoas vestem bermudas e chinelos de dedo.

* O grande truque desta foto é o deslocamento do personagem central. Enquanto todos parecem estar imersos naquele ambiente, o garoto olha para fora do cenário, como se ciente da presença do observador.

* O personagem central está posando para a foto. Fotografá-lo foi uma escolha do fotógrafo, o que ajudou na construção do sentido (conotação).

* O fotógrafo utilizou-se de recursos da câmera para fazer o garoto sobressair. Colocou-o em foco, enquanto o resto da cena está fora deste. Além disse, o garoto está em primeiro plano, enquanto os outros personagens aparecem ao fundo.

* O contraste cromático da fotografia, que é preto e branca, também ajuda na criação do deslocamento. O garoto é negro, o chão de terra batida é de cor clara, fazendo-o sobressair.

* Um dos temas centrais (senão o central) desta fotografia é a oposição semântica entre morte e vida.

Uma análise destas leva algum tempo de observação para ser feita, mas é muito gratificante poder ''saborear'' pacientemente uma boa fotografia ao invés de simplesmente ''devorá-la'' com os olhos. Descobrir os segredos e montar o quebra-cabeça por trás de uma imagem.

Para quem gosta de boas fotos, deixo aqui o link da galeria dos vencedores do World Press Photo em 2009. É um dos maiores prêmios do fotojornalismo. Ressalto aqui que apesar de algumas fotos serem de ordem mais conotativa, a maioria delas também são extremamente denotativas, transmitindo a maior quantidade de informação possível.

Boa leitura: http://www.worldpressphoto.org/

Nenhum comentário:

Postar um comentário