domingo, 28 de junho de 2009

Uma reparação sem precedentes



A demarcação da Reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, constitui um evento de grande importância histórica no Brasil. Quando os portugueses chegaram ao país, em 1500, estima-se que havia um número entre um e cinco milhões de índios vivendo em terras brasileiras. Com o passar dos séculos, o índio foi submetido a expropriações de território, massacres, escravidão e aculturação forçada.
Agora, com a população indígena retomando o seu crescimento, existem aproximadamente 700 000 indígenas no país. Com a reserva criada em Roraima, os índios serão donos de aproximadamente 15% do território nacional. É mais do que justo. Mesmo que à primeira vista o território pareça vasto demais para tal número de pessoas, é preciso se pensar que os índios não seguem o modo de vida ocidental, e precisam de grandes territórios em estado natural para exercer suas atividades de coleta, caça e pesca.
Além do mais, a população indígena tem crescido rapidamente. Enquanto a população do Brasil cresce em uma média de 1,3% ao ano, o número de índios tem aumentado em média 3,5% no mesmo período. Deste modo, a Raposa Serra do Sol, assim como as outras reservas, garantirão que as populações indígenas do Brasil possam adotar seu modo de vida e possuir um território próprio por séculos.
Além de ser importante para que a população original do Brasil possa continuar existindo, a Reserva Raposa Serra do Sol ajudará o país a preservar a Floresta Amazônica. Saem do território os mineiros e agricultores, que têm devastado o meio ambiente, e retornam os indígenas, que têm uma relação mais integrada com a terra.
Alguns militares têm argumentado que a reserva enfraqueceria as defesas do país, por deixar nas mãos dos índios vasto território fronteiriço. No entanto, é possível estabelecer bases fora das fronteiras da Raposa Serra do Sol, assim como utilizar-se de recursos como aviões e satélites, que não invadiriam a reserva, para realizar a vigilância do território.
A criação da Reserva Raposa Serra do Solo foi uma medida de impacto, mas que era necessária há muitos anos. Com ela, o Brasil torna-se o país de vanguarda nas reparações históricas aos povos indígenas, superando até mesmo os Estados Unidos, cujas reservas não chegam a 2,5% do território nacional.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

O verde é a cor da moda



No mundo de hoje o consumo é cada vez mais frenético, gerando lixo que se amontoa em aterros e em outros lugares. A produção industrial cresce massivamente, exaurindo minérios e outros recursos naturais. Gases são despejados despudoradamente na atmosfera, que se aquece a cada ano. A água é poluída e desperdiçada, tornando-se gradativamente um bem raro.
Disso, todo mundo já sabe. Se não sabe, seja bem-vindo ao planeta Terra. Acontece que o cinza do concreto e o negro da fumaça vêm sendo as cores da moda neste planeta há pelo menos 200 anos, quando da ocorrência da Revolução Industrial. Agora, está na hora de mudar de estação.
De certa forma, isto está ocorrendo. Os invernos viram outonos, os outonos viram primaveras, as primaveras verões e estes, infernos inimagináveis. O que vestir na estação? Talvez uma roupa de astronauta, em algumas décadas.
No entanto, é possível também mudar de maneira positiva. Saem o cinza e o negro, entra o verde como cor da estação. Reciclagem, transporte coletivo, agricultura, urbanismo, todas as áreas discutem o meio ambiente. Mas e a moda?
A visão desta como epítome do luxo e do consumismo ostensivos, do gastar insaciável das socialites em centenas de sapatos e vestidos caros, das toneladas de produtos feitos de plástico e borracha, dos milhões de indústrias a sintetizar tecidos os mais inorgânicos, está ficando fora de moda.
No entanto, surgem alternativas que podem remodelar a moda, colocando-a de volta em sintonia com o mundo. Na Amazônia, estuda-se um novo tipo de material, a fibra de coco impregnada com látex natural. Bolsas, poltronas, tapetes, vasos e até chinelos podem ser produzidos com este material, que por ser biodegradável é menos agressivo à natureza do que muitas substâncias utilizadas na confecção daqueles produtos. No Paraná, recente desfile apresentou roupas cujas tinturas provinham de materiais como pó de café, água de feijão e barro. Mais uma vez, tem-se o exemplo de alternativas para evitar tintas químicas, que são impregnadas de chumbo e outros materiais pesados.
Vivendo no Brasil, terra de imensa extensão territorial e biodiversidade, há uma miríade de recursos naturais que podem ser utilizados no intuito de tornar a moda menos agressiva ao meio ambiente.
Além disto, ao utilizarmo-nos de recursos oriundos da natureza, passaremos a conhecê-la melhor e a perceber também a importância de se preservar as florestas, por exemplo.
O verde é barato, bonito, e é a cor da moda. Cumpre adotá-lo e vesti-lo o mais rápido possível, e da maneira mais racional disponível. Do contrário, poderá chegar o momento no qual a Terra poderá nos mandar a conta de nosso consumismo ambiental desvairado. E os juros não poderão ser pagos com cartão de crédito.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Carta a Gilmar Mendes e seus amigos




Gostaria de parabenizar o Excelentíssimo e sábio Ministro do Supremo Gilmar Mendes, assim como os gloriosos empresários de Comunicação do Brasil, por terem finalmente conseguido derrubar a obrigatoriedade do Diploma de Jornalismo.
No entanto, gostaria também de sugerir algumas mudanças a mais aos meus colegas empresários. Em primeiro lugar, tratem de abaixar esse piso salarial do Jornalismo. A profissão não é mais considerada de nível superior, então por que gastar dinheiro à toa pagando mais do que o jornalista vale?
Em segundo lugar, tratem de contratar funcionários inexperientes, de preferência semi-analfabetos, que não tenham noções de Filosofia e nem de Ética, aquelas coisas inúteis ensinadas nas faculdades. Deste modo, a política editorial da empresa não poderá ser contestada, e isto tornará o trabalho de manipulação do leitor bem mais fácil.
Ao ministro Gilmar, gostaria de desejar que continue com o excelente trabalho, e que derrube muitos outros diplomas por aí. Só não se esqueça de manter o do Direito, pois de outra forma poderá ser substituído por alguém que não é diplomado, e assim perderemos muito do seu desempenho sério e honesto.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Uma decisão questionável



Hoje a mídia divulgou, após ter se calado sobre este assunto durante todo o processo do julgamento, o resultado do recurso apresentado ao Supremo Tribunal Federal que questionava a obrigatoriedade do diploma para se exercer a profissão de jornalista.
Assim, a sociedade brasileira, que foi privada do debate sobre a questão, só ficou sabendo do seu resultado.

Como era de se esperar, seguindo os interesses dos grandes empresários da mídia, os juízes derrubaram a obrigatoriedade do diploma.

Alguns dos argumentos apresentados pelos juízes do Supremo foram:

* ''A obrigatoriedade do diploma fere a liberdade de expressão. Sem a obrigatoriedade, todos podem ser jornalistas, e assim a liberdade de expressão está garantida''.

* ''O jornalismo não exige uma formação técnica. É como a arte, como a literatura''.

* ''O jornalismo não pode ser comparado a outras áreas como o Direito e a Medicina. Estas áreas necessitam de formação, pois um erro causado por um profissional destas pode resultar em conseqüências graves, ao contrário de um erro na imprensa''.

Estes fracos argumentos foram algumas das razões apresentadas pelos juízes como pretexto para derrubar a obrigatoriedade do diploma.

Em primeiro lugar, a liberdade de expressão já está assegurada fora do Jornalismo. Com o advento da Internet, é possível escrever textos, produzir vídeos, materiais sonoros, fotografias e publicar uma míriade de outras coisas na rede. Ademais, ''liberdade de expressão'' é uma palavra perigosa para caracterizar a imprensa. Os jornais seguem linhas editoriais definidas por seus donos. Omitem notícias (como no próprio caso deste recurso), manipulam a informação, defendem interesses de segmentos da população.

Em segundo lugar, o Jornalismo não pode ser enquadrado na mesma categoria da arte. Claro, que, em uma matéria de televisão, de rádio, ou mesmo de impresso, há espaço para o estilo, para o gosto pessoal, para até mesmo alguma pequena inserção artística, mas esta é a parte menor. Quanto à técnica,a parte maior, ela realmente não precisa ser absorvida na faculdade. Uma pessoa pode aprender a filmar, fotografar, ou mesmo escrever na redação. No entanto, a faculdade de Jornalismo tem várias matérias teóricas, que explicam conceitos como manipulação da imagem, as várias significações que um texto pode ter e até mesmo ética. Dificilmente um chefe de redação tomará tempo para explicar a um repórter a intencionalidade da fotografia, como retratada por Roland Barthes, ou outros inúmeros conceitos apreendidos na faculdade. Formar-se-á profissionais com o domínio da técnica, mas sem pensamento crítico.

A última afirmação é a mais aberrante de todas. Obviamente que o Jornalismo não pode matar uma pessoa, pelo menos diretamente, como no caso da Medicina. No entanto, com jornalistas mais manipuláveis e possivelmente menos éticos, a maneira como a sociedade recebe as informações será brutalmente alterada. Grandes grupos poderão impor suas opiniões, por meio de jornalistas-robôs, que terão menos filtros éticos do que alguém formado em uma universidade. Ademais, em casos mais diretos, pessoas poderão ser prejudicadas por uma imprensa de menor qualidade, como no caso da Escola Base, que, por sinal, é estudado nas faculdades de Jornalismo.

Chegamos ao ponto que os grandes empresários desejavam. Agora, podem formar ''profissionais'' da maneira que bem entenderem. Seu argumento falho é de que estão contribuindo para ''melhorar'' a imprensa brasileira. Se realmente desejam melhorar, porque não exigir mudanças nas faculdades, ao invés de acabar com o diploma? Será que as faculdades deixam os estudantes menos preparados para ser jornalistas do que um amador, para que as empresas passem a preferi-los? Obviamente que não. Amadores têm menos filtros, têm a cabeça mais moldável aos interesses editoriais.

Paralelamente, com o inchaço no mercado de jornalismo, e o fim da obrigatoriedade do diploma, logo pode haver um julgamento para diminuir o piso salarial dos jornalistas. Lei da Oferta e da Procura. Quando há oferta demais, a procura cai. Além disto, sem a exigência do diploma pressupõe-se que a profissão não tenha mais tanta importância quanto antes. Por que não derrubar o salário?

Com um panorama tão ruim, é preciso conscientizar a sociedade brasileira, alertá-la para prestar ainda mais atenção naquilo que sai na mídia. Pois agora, os realizadores da manipulação apertaram mais ainda o cabresto.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

A Obsolescência Final




''Ela funciona como nova. Já não se fazem mais geladeiras assim'', observa Walt Kowalski, personagem de Clint Eastwood no filme Gran Torino, após retirar com dificuldade um antigo freezer Westinghouse de seu porão.

A princípio, esta fala do idoso personagem poderia soar apenas como conversa típica de velho. E é, mas o conteúdo da frase não deixa de ser verdadeiro. Nos dias de hoje, vários produtos supostamente duráveis se estragam muito mais rápido do que seus similares de antigamente.

Na maioria dos casos, os objetos materiais são feitos com uma espécie de prazo de validade pelas indústrias que os produzem. Isto caracteriza o conceito de obsolescência programada: as empresas fabricam coisas que se quebrarão, ou se tornarão obsoletas, em um prazo determinado por elas. Prazo este vantajoso para a indústria, que poderá vender mais produtos para repor os antigos, e assim continuar com o sistema de obsolescência, num ciclo imaginado para não ter fim.

Esta obsolescência programada é muito fácil de se perceber na indústria de eletrônicos. Se compramos um computador de última geração nos dias de hoje, em seis meses já haverá outro modelo melhor. Logo, as empresas de software começarão a lançar programas que não rodam no primeiro computador citado, e será preciso trocar o computador, que terá então se tornado obsoleto, caso o consumidor deseje se utilizar das tecnologias de ponta.

No entanto, como bem notado por Walt no filme, não é só nos eletrônicos que esse fenômeno é perceptível. As geladeiras estão bem mais frágeis. É interessante ver que enquanto existem pessoas que vivem em paz com suas geladeiras dos anos 50, outras têm tumultuosas relações com seus modelos anos 2000, cujas portas caem ou fusíveis queimam ao menor espirro.

Carros, relógios, fogões, sapatos, televisores... Nada escapa à regra.

Porém, apesar de o conceito de obsolescência programada ter sido uma coisa criada inicialmente para bens materiais, parece que ele acabou adentrando outras áreas.

Vivemos em uma sociedade de culto ao descartável e momentâneo. Bandas de rock surgem,com toda a mídia proclamando serem os maiores músicos de todos os tempos, e poucos meses depois ninguém sabe do paradeiro de seus integrantes; notícias são colocadas a todo minuto na Internet, para serem consideradas desatualizadas poucos dias ou até mesmo horas depois; filmes são lançados às toneladas, para serem transformados em DVD semanas após a exibição nos cinemas.

A obsolescência programada trouxe consequências não-programadas. O capitalismo, apesar de seu imenso poder de adaptação, sofre nas bases por causa de uma crise econômica gerada justamente por este conceito. A bolha da Internet, que era o meio que mais atraía investidores no final dos anos 90, estourou em 2001. Ou seja, investir na Internet tornou-se obsoleto.

Assim, os investidores dirigiram-se para o mercado imobiliário em massa. E o que aconteceu? O mercado de imóveis também entrou em crise. É a obsolescência não-programada (ou seria programada por homens de terno em Wall Street?) dos grandes booms econômicos.

Tudo isso se torna fichinha ao repararmos que o próprio planeta Terra está entrando na dança louca da obsolescência do modo de produção capitalista. O consumo é cada vez mais frenético, gerando lixo que se amontoa em aterros e em outros lugares; A produção industrial cresce massivamente, exaurindo minérios e outros recursos naturais; Gases são despejados despudoradamente na atmosfera, que se aquece a cada ano; A água é poluída e desperdiçada, tornando-se gradativamente um bem raro.

O único problema é que este produto chamado Terra, para falar a linguagem dominante, não é algo o qual possamos trocar por um novo, ou comprar outro. Assim, é preciso repensar nossas atitudes, tanto no conceito da obsolescência quanto em outros aspectos da vida cotidiana, ou a humanidade sofrerá a obsolescência final.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

O diário de um cucaracha


Cucaracha, em espanhol, significa barata. Nos Estados Unidos, cucaracha é a carinhosa gíria utilizada pelos nativos para se referir a imigrantes latino-americanos.

Acabei de terminar de ler ''O diário de um cucaracha'', livro engraçadíssimo escrito pelo cartunista Henfil, que foi tentar a sorte na América do Norte nos anos 70.
O ''diário'' é na verdade uma coletânea das cartas enviadas pelo artista a seus amigos e familiares, durante os quase dois anos em que residiu em Nova York (de 1973 a 1975).

Henfil era uma pessoa extremamente sincera e aberta, e isto transparece na obra. Em suas cartas, ele contava sem pudor tudo o que estava sentindo e relatava vários eventos que tiveram significância em sua estada, muitos deles até constrangedores.

Apesar de ser um quadrinista e não um escritor, o texto do autor é extremamente fluido e divertido. É impressionante o capricho que ele colocava nas cartas que escrevia aos amigos, mesmo estando atolado de trabalho. Além disto, Henfil tinha uma linguagem muito rica e engraçada, e não media o uso de palavrões e expressões fortes, assim como de recursos de estilística até bem sofisticados, para retratar o que estava sentindo.

O livro mostra o desgosto com o qual Henfil estava convivendo no Brasil da ditadura militar, estando submetido à censura. O cartunista fazia vários desenhos por dia, às vezes mais de dez, para que apenas dois ou três fossem aprovados para serem publicados em jornais.

Assim, o artista resolveu tentar a sorte nos Estados Unidos. Chegou lá sem saber falar inglês e classificado como ''correspondente''. Apesar de estar morando em Nova York, produzia cartuns e charges sobre o Brasil e mandava-os pelo correio para os jornais do país para os quais ainda trabalhava. Não obstante, Henfil tinha pretensões grandes: Queria produzir em inglês e vender para a imprensa americana e, depois de consolidado, ingressar no mundo do desenho animado.

Com o tempo, o artista foi aprendendo inglês gradativamente e ''traduziu'' alguns de seus personagens para o contexto americano. Como era talentoso, conseguiu filiar-se a um grande sindicato distribuidor de quadrinhos que venderia suas tirinhas (sim, ele foi obrigado a transformar seus cartuns e charges em tirinhas) e passou a ser publicado em jornais americanos.

A experiência não deu muito certo. Os americanos, acostumados a quadrinhos sobre ''bichinhos engraçadinhos'' e ''brigas de casais engraçadinhos'', nas palavras do próprio Henfil, não foram capazes de compreender seu humor anárquico, politizado, sarcástico e pesado.

Assim, Henfil chegou a um ponto em que ou se amenizaria tornando-se pasteurizado para vender aos americanos, ou teria que revolucionar os quadrinhos daquele país lutando sozinho contra a alienação dos leitores americanos. Cansado, preferiu voltar para o Brasil da ditadura.

Outros pontos que influenciaram na decisão da volta foram os terríveis hospitais públicos americanos, para os quais o artista tinha que ir constantemente para tratar sua hemofilia, e a falta de empatia com o povo norte-americano, o qual Henfil classificava como robotizado, frio e intolerante.

O livro é um rico relato dos Estados Unidos daquela época tumultuada, mencionando eventos como o escândalo de Watergate e a Guerra do Vietnã; Um retrato auto-biográfico bastante interessante do próprio Henfil, falando sobre o homem e o artista; E também uma coleção de crônicas deliciosas, muitas delas escrachadas, mostrando como era a vida na nação ''mãe, pai e tia'' do capitalismo.

Mesmo para quem não curte quadrinhos (e que é ruim da cabeça ou doente do pé), ''O diário de um cucaracha'' é um livro que poderá trazer muita diversão e conhecimento sobre a vida de um dos maiores humoristas que o país já teve.

terça-feira, 14 de abril de 2009

Eu ainda acredito em Scorsese


Martin Scorsese foi um dos diretores que participaram da revolução que houve em Hollywood nos anos 70. Junto com Francis Ford Coppola, Roman Polanski, Milos Forman, Stanley Kubrick, Woody Allen, Ridley Scott e outros diretores, Scorsese deu um bico na mediocridade que imperava no cinema americano de sua fundação até os anos 60, e que infelizmente retornaria no início dos anos 80.

Durante aqueles breves anos, Hollywood deixaria de lado a torrente de musicais alienados dos anos 50, os novelões estilo ''...E o Vento Levou'' e as comédias dos Três Patetas para investir em filmes viscerais, muitas vezes críticos ácidos do american way of life. Scorsese contribuiu principalmente com suas duas obras-primas ''Taxi Driver'' (1976) e ''Touro Indomável'' (1980).

Nos dois filmes, Robert de Niro fez atuações magníficas, representando personagens decadentes e desajustados. Obviamente, nenhum dos filmes foi reconhecido pelo Oscar, por conter grande quantidade de linguajar considerado ''inapropriado'' e retratar lados também não muito belos da sociedade norte-americana.

Nos anos seguintes, Scorsese faria um filme interessante (''A Última Tentação de Cristo'', em 1986) e voltaria a brilhar com ''Os Bons Companheiros'' (1990), um dos mais importantes filmes de máfia, que retratou os gângsteres italianos sob um ponto de vista muito menos glamouroso do que ''O Poderoso Chefão''.

Depois de ''Os Bons Companheiros'', Scorsese fez uma série de filmes inexpressivos como o fraco ''Cabo do Medo'' (1991), filme banal de psicopata-americano-que-persegue-família e ''Vivendo no Limite'' (1999), película em que Nicolas Cage trabalha como motorista noturno de ambulância, em uma tentativa falha de repetir o êxito de ''Taxi Driver''.

Em 2002, o diretor realizou ''Gangues de Nova York''. Filme despretensioso, esta obra é mais um exercício estético de cinema do que uma tentativa de se realizar algo catártico. E funciona. A ''arte pela arte'' de Scorsese rende momentos interessantes, como as cenas em que as gangues do século XIX lutam em meio aos pátios nevados de Nova York, e a hostilidade aberta aos imigrantes irlandeses.

''Gangues de Nova York'' é um filme que deve ser visto como um teatro visual. Mesmo assim, para quem esperava um dos velhos e bons acertos do diretor, ainda faltou um pouquinho.

Scorsese atacaria de novo com ''O Aviador'' (2004), um filme água-com-açúcar sobre a vida do milionário Howard Hughes, e ''Os Infiltrados'' (2006), refilmagem de um filme policial de Hong Kong.

Este último foi muito incensado pelo público e pela crítica, mas não tem nada de verdadeiramente especial. O roteiro é simples, a trilha sonora é rock banal, as cenas de ação são explosivas e vazias. Scorsese fez um filme pasteurizado para as massas de hoje em dia. E funcionou.

Depois de tanto tempo sem realizar um filme marcante (o último foi ''Os Bons Companheiros'', há quase 20 anos) há aqueles que digam que o diretor perdeu a mão definitivamente.

Porém, estou com uma sensação positiva muito forte sobre um filme que será dirigido por Scorsese e que sairá nos cinemas em 2010. O título em inglês é ''Silence''. A obra é baseada no livro homônimo do consagrado escritor japonês Shusaku Endo.

O livro de Endo se passa no Japão feudal, em meados do século XVII, e conta a história de dois missionários portugueses que viajam ao país para investigar massacres de cristãos nipônicos e também localizar seu desaparecido mentor.

A trama por si só, com sua oposição entre Oriente e Ocidente, em um momento histórico obscuro, é interessantíssima. Outros pontos que podem contar a favor de Scorsese são o seu background italiano-católico, que já lhe ajudou a caprichar em ''A Última Tentação de Cristo''; o fortíssimo elenco escalado: Benício Del Toro, Daniel Day-Lewis e Gael Garcia Bernal representarão os missionários lusitanos, dando-nos um merecido descanso de Leonardo di Caprio, e também a violência da trama, elemento do qual Scorsese gosta e sabe trabalhar bem.

Veremos o que acontece. Mas estou esperançoso e aguardo ansioso por esta obra.