quarta-feira, 22 de abril de 2009

A Obsolescência Final




''Ela funciona como nova. Já não se fazem mais geladeiras assim'', observa Walt Kowalski, personagem de Clint Eastwood no filme Gran Torino, após retirar com dificuldade um antigo freezer Westinghouse de seu porão.

A princípio, esta fala do idoso personagem poderia soar apenas como conversa típica de velho. E é, mas o conteúdo da frase não deixa de ser verdadeiro. Nos dias de hoje, vários produtos supostamente duráveis se estragam muito mais rápido do que seus similares de antigamente.

Na maioria dos casos, os objetos materiais são feitos com uma espécie de prazo de validade pelas indústrias que os produzem. Isto caracteriza o conceito de obsolescência programada: as empresas fabricam coisas que se quebrarão, ou se tornarão obsoletas, em um prazo determinado por elas. Prazo este vantajoso para a indústria, que poderá vender mais produtos para repor os antigos, e assim continuar com o sistema de obsolescência, num ciclo imaginado para não ter fim.

Esta obsolescência programada é muito fácil de se perceber na indústria de eletrônicos. Se compramos um computador de última geração nos dias de hoje, em seis meses já haverá outro modelo melhor. Logo, as empresas de software começarão a lançar programas que não rodam no primeiro computador citado, e será preciso trocar o computador, que terá então se tornado obsoleto, caso o consumidor deseje se utilizar das tecnologias de ponta.

No entanto, como bem notado por Walt no filme, não é só nos eletrônicos que esse fenômeno é perceptível. As geladeiras estão bem mais frágeis. É interessante ver que enquanto existem pessoas que vivem em paz com suas geladeiras dos anos 50, outras têm tumultuosas relações com seus modelos anos 2000, cujas portas caem ou fusíveis queimam ao menor espirro.

Carros, relógios, fogões, sapatos, televisores... Nada escapa à regra.

Porém, apesar de o conceito de obsolescência programada ter sido uma coisa criada inicialmente para bens materiais, parece que ele acabou adentrando outras áreas.

Vivemos em uma sociedade de culto ao descartável e momentâneo. Bandas de rock surgem,com toda a mídia proclamando serem os maiores músicos de todos os tempos, e poucos meses depois ninguém sabe do paradeiro de seus integrantes; notícias são colocadas a todo minuto na Internet, para serem consideradas desatualizadas poucos dias ou até mesmo horas depois; filmes são lançados às toneladas, para serem transformados em DVD semanas após a exibição nos cinemas.

A obsolescência programada trouxe consequências não-programadas. O capitalismo, apesar de seu imenso poder de adaptação, sofre nas bases por causa de uma crise econômica gerada justamente por este conceito. A bolha da Internet, que era o meio que mais atraía investidores no final dos anos 90, estourou em 2001. Ou seja, investir na Internet tornou-se obsoleto.

Assim, os investidores dirigiram-se para o mercado imobiliário em massa. E o que aconteceu? O mercado de imóveis também entrou em crise. É a obsolescência não-programada (ou seria programada por homens de terno em Wall Street?) dos grandes booms econômicos.

Tudo isso se torna fichinha ao repararmos que o próprio planeta Terra está entrando na dança louca da obsolescência do modo de produção capitalista. O consumo é cada vez mais frenético, gerando lixo que se amontoa em aterros e em outros lugares; A produção industrial cresce massivamente, exaurindo minérios e outros recursos naturais; Gases são despejados despudoradamente na atmosfera, que se aquece a cada ano; A água é poluída e desperdiçada, tornando-se gradativamente um bem raro.

O único problema é que este produto chamado Terra, para falar a linguagem dominante, não é algo o qual possamos trocar por um novo, ou comprar outro. Assim, é preciso repensar nossas atitudes, tanto no conceito da obsolescência quanto em outros aspectos da vida cotidiana, ou a humanidade sofrerá a obsolescência final.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

O diário de um cucaracha


Cucaracha, em espanhol, significa barata. Nos Estados Unidos, cucaracha é a carinhosa gíria utilizada pelos nativos para se referir a imigrantes latino-americanos.

Acabei de terminar de ler ''O diário de um cucaracha'', livro engraçadíssimo escrito pelo cartunista Henfil, que foi tentar a sorte na América do Norte nos anos 70.
O ''diário'' é na verdade uma coletânea das cartas enviadas pelo artista a seus amigos e familiares, durante os quase dois anos em que residiu em Nova York (de 1973 a 1975).

Henfil era uma pessoa extremamente sincera e aberta, e isto transparece na obra. Em suas cartas, ele contava sem pudor tudo o que estava sentindo e relatava vários eventos que tiveram significância em sua estada, muitos deles até constrangedores.

Apesar de ser um quadrinista e não um escritor, o texto do autor é extremamente fluido e divertido. É impressionante o capricho que ele colocava nas cartas que escrevia aos amigos, mesmo estando atolado de trabalho. Além disto, Henfil tinha uma linguagem muito rica e engraçada, e não media o uso de palavrões e expressões fortes, assim como de recursos de estilística até bem sofisticados, para retratar o que estava sentindo.

O livro mostra o desgosto com o qual Henfil estava convivendo no Brasil da ditadura militar, estando submetido à censura. O cartunista fazia vários desenhos por dia, às vezes mais de dez, para que apenas dois ou três fossem aprovados para serem publicados em jornais.

Assim, o artista resolveu tentar a sorte nos Estados Unidos. Chegou lá sem saber falar inglês e classificado como ''correspondente''. Apesar de estar morando em Nova York, produzia cartuns e charges sobre o Brasil e mandava-os pelo correio para os jornais do país para os quais ainda trabalhava. Não obstante, Henfil tinha pretensões grandes: Queria produzir em inglês e vender para a imprensa americana e, depois de consolidado, ingressar no mundo do desenho animado.

Com o tempo, o artista foi aprendendo inglês gradativamente e ''traduziu'' alguns de seus personagens para o contexto americano. Como era talentoso, conseguiu filiar-se a um grande sindicato distribuidor de quadrinhos que venderia suas tirinhas (sim, ele foi obrigado a transformar seus cartuns e charges em tirinhas) e passou a ser publicado em jornais americanos.

A experiência não deu muito certo. Os americanos, acostumados a quadrinhos sobre ''bichinhos engraçadinhos'' e ''brigas de casais engraçadinhos'', nas palavras do próprio Henfil, não foram capazes de compreender seu humor anárquico, politizado, sarcástico e pesado.

Assim, Henfil chegou a um ponto em que ou se amenizaria tornando-se pasteurizado para vender aos americanos, ou teria que revolucionar os quadrinhos daquele país lutando sozinho contra a alienação dos leitores americanos. Cansado, preferiu voltar para o Brasil da ditadura.

Outros pontos que influenciaram na decisão da volta foram os terríveis hospitais públicos americanos, para os quais o artista tinha que ir constantemente para tratar sua hemofilia, e a falta de empatia com o povo norte-americano, o qual Henfil classificava como robotizado, frio e intolerante.

O livro é um rico relato dos Estados Unidos daquela época tumultuada, mencionando eventos como o escândalo de Watergate e a Guerra do Vietnã; Um retrato auto-biográfico bastante interessante do próprio Henfil, falando sobre o homem e o artista; E também uma coleção de crônicas deliciosas, muitas delas escrachadas, mostrando como era a vida na nação ''mãe, pai e tia'' do capitalismo.

Mesmo para quem não curte quadrinhos (e que é ruim da cabeça ou doente do pé), ''O diário de um cucaracha'' é um livro que poderá trazer muita diversão e conhecimento sobre a vida de um dos maiores humoristas que o país já teve.

terça-feira, 14 de abril de 2009

Eu ainda acredito em Scorsese


Martin Scorsese foi um dos diretores que participaram da revolução que houve em Hollywood nos anos 70. Junto com Francis Ford Coppola, Roman Polanski, Milos Forman, Stanley Kubrick, Woody Allen, Ridley Scott e outros diretores, Scorsese deu um bico na mediocridade que imperava no cinema americano de sua fundação até os anos 60, e que infelizmente retornaria no início dos anos 80.

Durante aqueles breves anos, Hollywood deixaria de lado a torrente de musicais alienados dos anos 50, os novelões estilo ''...E o Vento Levou'' e as comédias dos Três Patetas para investir em filmes viscerais, muitas vezes críticos ácidos do american way of life. Scorsese contribuiu principalmente com suas duas obras-primas ''Taxi Driver'' (1976) e ''Touro Indomável'' (1980).

Nos dois filmes, Robert de Niro fez atuações magníficas, representando personagens decadentes e desajustados. Obviamente, nenhum dos filmes foi reconhecido pelo Oscar, por conter grande quantidade de linguajar considerado ''inapropriado'' e retratar lados também não muito belos da sociedade norte-americana.

Nos anos seguintes, Scorsese faria um filme interessante (''A Última Tentação de Cristo'', em 1986) e voltaria a brilhar com ''Os Bons Companheiros'' (1990), um dos mais importantes filmes de máfia, que retratou os gângsteres italianos sob um ponto de vista muito menos glamouroso do que ''O Poderoso Chefão''.

Depois de ''Os Bons Companheiros'', Scorsese fez uma série de filmes inexpressivos como o fraco ''Cabo do Medo'' (1991), filme banal de psicopata-americano-que-persegue-família e ''Vivendo no Limite'' (1999), película em que Nicolas Cage trabalha como motorista noturno de ambulância, em uma tentativa falha de repetir o êxito de ''Taxi Driver''.

Em 2002, o diretor realizou ''Gangues de Nova York''. Filme despretensioso, esta obra é mais um exercício estético de cinema do que uma tentativa de se realizar algo catártico. E funciona. A ''arte pela arte'' de Scorsese rende momentos interessantes, como as cenas em que as gangues do século XIX lutam em meio aos pátios nevados de Nova York, e a hostilidade aberta aos imigrantes irlandeses.

''Gangues de Nova York'' é um filme que deve ser visto como um teatro visual. Mesmo assim, para quem esperava um dos velhos e bons acertos do diretor, ainda faltou um pouquinho.

Scorsese atacaria de novo com ''O Aviador'' (2004), um filme água-com-açúcar sobre a vida do milionário Howard Hughes, e ''Os Infiltrados'' (2006), refilmagem de um filme policial de Hong Kong.

Este último foi muito incensado pelo público e pela crítica, mas não tem nada de verdadeiramente especial. O roteiro é simples, a trilha sonora é rock banal, as cenas de ação são explosivas e vazias. Scorsese fez um filme pasteurizado para as massas de hoje em dia. E funcionou.

Depois de tanto tempo sem realizar um filme marcante (o último foi ''Os Bons Companheiros'', há quase 20 anos) há aqueles que digam que o diretor perdeu a mão definitivamente.

Porém, estou com uma sensação positiva muito forte sobre um filme que será dirigido por Scorsese e que sairá nos cinemas em 2010. O título em inglês é ''Silence''. A obra é baseada no livro homônimo do consagrado escritor japonês Shusaku Endo.

O livro de Endo se passa no Japão feudal, em meados do século XVII, e conta a história de dois missionários portugueses que viajam ao país para investigar massacres de cristãos nipônicos e também localizar seu desaparecido mentor.

A trama por si só, com sua oposição entre Oriente e Ocidente, em um momento histórico obscuro, é interessantíssima. Outros pontos que podem contar a favor de Scorsese são o seu background italiano-católico, que já lhe ajudou a caprichar em ''A Última Tentação de Cristo''; o fortíssimo elenco escalado: Benício Del Toro, Daniel Day-Lewis e Gael Garcia Bernal representarão os missionários lusitanos, dando-nos um merecido descanso de Leonardo di Caprio, e também a violência da trama, elemento do qual Scorsese gosta e sabe trabalhar bem.

Veremos o que acontece. Mas estou esperançoso e aguardo ansioso por esta obra.

sábado, 11 de abril de 2009

The Key to Reserva


O curta-metragem ''The Key to Reserva'' é um filmezinho bastante interessante. No começo, aparecem imagens do renomado diretor Martin Scorsese, sendo entrevistado e anunciando que está em possessão de algumas páginas originais de um roteiro. Ele afirma que aquelas páginas foram escritas por ninguém menos do que Alfred Hitchcock.

Scorsese comunica que irá filmar as páginas do roteiro, que estava incompleto e jamais havia sido filmado, exatamente como o grande mestre do suspense o teria feito.

Depois dessa introdução em tom de documentário, passamos ao ''The Key to Reserva'' em si, que é o nome do filme cujo script incompleto havia sido escrito por Alfred Hitchcock.

''The Key to Reserva'' tem poucos minutos mas é muito bem-feito, lembrando várias obras clássicas do grande diretor inglês. A câmera percorre o cenário em ângulos criativos; A trilha sonora lembra Bernard Herrmann; O ator usa terno e penteado de estilo antiquado. Essas e outras inúmeras referências (inspiradas em cenas de filmes de Hitchcock) estão presentes, mas se for comentar todas acabarei estragando o prazer de ver o vídeo.

Para quem quiser ver, deixo o link de ''The Key to Reserva''. E preparem-se, pois o final tem uma surpresa completamente inesperada, seguindo o estilo do mestre inglês.

http://www.scorsesefilmfreixenet.com/video_eng.htm

terça-feira, 7 de abril de 2009

Benefício para quem?


Na última quarta-feira, sugestivamente dia primeiro de abril, o Supremo Tribunal Federal adiou o julgamento de um recurso polêmico. Se aprovado, tal recurso extinguirá a obrigatoriedade do diploma para se exercer a profissão de jornalista.

Aparentemente, o adiamento desta decisão foi causado pelos protestos realizados por jornalistas, estudantes da área, professores e membros da sociedade civil.

Não é a primeira vez que a questão da exigência do diploma de jornalismo entra em pauta no Brasil. A questão é complexa, e divide opiniões dentro da sociedade.

Há aqueles que afirmam que esta graduação não é necessária, uma vez que os jornais poderiam contratar funcionários menos qualificados e simplesmente treiná-los para a profissão.

Todavia, pode-se derrubar este argumento simplesmente com a constatação óbvia de que um funcionário sem o diploma pode até obter conhecimento da práxis jornalística, mas dificilmente terá acesso a um estudo de qualidade de matérias como Semiótica, Teoria da Comunicação, Ética, Filosofia e inúmeras outras disciplinas importantes no campo da Comunicação.

No entanto, esta abordagem do problema não deve ser o ponto central da discussão. A questão vai mais além, quando devemos nos perguntar: Que benefício esta medida trará para a sociedade brasileira?

O Recurso Extraordinário RE 511961 foi apresentado ao Supremo Tribunal Federal por um grupo de influentes empresários da comunicação.

Se houvesse um grande déficit de jornalistas no Brasil, o que não ocorre, pois o mercado atualmente encontra-se saturado, seria justificável que se discutisse a necessidade da extinção da obrigatoriedade do diploma com o intuito de se formar mais profissionais.

No entanto, uma vez que há jornalistas sobrando no mercado, e que já existe um processo de ''seleção natural'' na atividade jornalística, onde está o benefício da extinção desta obrigatoriedade?

O benefício, se tal recurso for aprovado, será inteiramente deste grupo de empresários donos de meios de comunicação.

Além de poder diminuir drasticamente o salário dos futuros ''jornalistas'', tais empresários também terão maior liberdade para manipular estes profissionais, que na maioria dos casos não possuirão um entendimento profundo das questões jornalísticas.

Resta esperar que a sociedade brasileira, que lutou durante 20 anos de ditadura para receber informação de qualidade, reflita e opine sobre esta questão.

sábado, 4 de abril de 2009

Da pedra ao andróide




Desde seus primórdios, o ser humano sempre buscou criar representações do mundo em que vivia, tanto por meio da arte quanto pela ciência.

No início, o homem reproduzia artisticamente o ambiente em que estava inserido por meio de pinturas rupestres e de esculturas relativamente simples (como por exemplo a Vênus de Willendorff, na ilustração acima, que data de entre aproximadamente 24 000 A.C. e 22 000 A.C).

Destas manifestações iniciais, a arte evoluiu drasticamente, como atestam as impressionantes esculturas gregas produzidas na Antiguidade Clássica.




Mas foi durante o período conhecido como Renascimento, já no século XV,em que ocorreu uma grande descoberta da humanidade, a ''invenção'' da perspectiva. Os quadros passaram a ter um ponto de fuga, uma linha do horizonte, assim como ocorre na vida real.



Após o Renascimento, a próxima grande mudança nas artes viria com a invenção da fotografia, já no século XIX. Com este recurso, o homem chegou a uma analogia da realidade dotada de um grau de semelhança inimaginável até então. Para muitas pessoas (talvez a maioria), a fotografia passa uma impressão de analogia perfeita.



Após a fotografia, a sociedade mergulhou no mundo dos computadores, do tridimensional, do digital e da robótica. Desta última, mestiça perfeita da arte e da ciência, surgiu um novo conceito: ao invés de reproduzir pessoas ou animais, irá recriá-los de maneira sintética.

A robótica junta o visual, o tátil e o sonoro, para formar representações cada vez mais impressionantes da realidade. Porém, ao mesmo tempo em que estes progressos são maravilhosos, possuem também um certo lado assustador.

Vejam e tirem suas próprias conclusões: